Você brotou. Em mim, nasceram luzes.
O breu do universo se desfez.
Eu, radiosa, iluminava tudo.
Como as estrelas no meio da noite.
E como o sol encandescendo o mundo.
Amei você pela primeira vez.
Seu coração ruidoso, no meu corpo,
pulsava em mim. Eu era a Mater Dei.
E ao te sentir o corpo, buliçoso,
fazer folia junto ao corpo meu,
lacrimejei meu riso venturoso.
Pela segunda vez, então, te amei.
Enquanto a tua vida me expandia,
algum mistério novo acontecia.
Até que em mim, o amor feriu-se em dor.
Entre a tormenta que em mim doía,
eu, transbordando dor e alegria,
senti meu sangue quente a escorrer.
E do meu sangue, vi você nascer.
II
Virei Nossa Senhora, a mãe do mundo.
E fiz do Deus Menino o filho meu.
Segui teus gestos, a cada segundo.
Mãe-de-leite zelosa, fartas mamas,
ao ver meu sangue transmutado em leite,
e ao ter você, bezerro, no meu peito,
senti dos Budas todos os nirvanas.
Vivi a plenitude do deleite.
O de ser vida. Ser o alimento.
Senti uma transformação maior por dentro.
Vi que era mais que a Mãe. Eu era Deus.
E foi então que fiz um juramento:
jamais deixar sofrer os filhos meus.
Do meu sangue, fiz teu alimento.
Do meu corpo, fiz teu cobertor.
Teci para você um belo ninho.
E como faz a ave ao seu filhinho,
abri-te as asas, dei-te o meu calor.
III
Segui teu tempo de crescer e de voar.
Sempre ao teu lado, como um animal,
cumprindo o meu instinto, visceral,
acompanhei-te a cada caminhar.
Vi você, pastor, tocando flauta.
Você, anjinho, tocando bandolim.
Adormeci ao som da tua gaita.
E a vida quis te separar de mim.
Percorri mundo, qual uma cigana.
Você, em mim, a viajar comigo.
E a saudade, banzo de quem ama,
tatuava em meu corpo o meu castigo.
Cravejava em meu peito essa desdita.
A incomensurável dor que não reclama.
Que faz de toda mãe uma alma aflita,
a tatuar, no peito, o próprio filho.
A transformá-lo em seu mote perpétuo.
Como se o filho, esse andarilho incerto,
houvesse de seguir seu velho trilho.
IV
Acho que desertei. Saí de mim.
Cansei de padecer no desengano.
Só espero que minh’alma bucaneira,
a mesma alma que te fez gitano,
alcance te esperar a vida inteira.
Alcance te amar, vida após vida.
A cada dor. A cada despedida.
A cada ato do teatro humano.
Kátia Drummond
Salvador BA, primavera de 1998.
OBS: Ganhou o primeiro lugar no 1º Festival Internacional de Poesia, promovido pela revista “A Feiticeira”, na Internet/1999.
domingo, 24 de junho de 2007
Kátia Drummond - Mater Dei
MATER DEI
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