domingo, 24 de junho de 2007

Kátia Drummond - Mater Dei

MATER DEI





Você brotou. Em mim, nasceram luzes.

O breu do universo se desfez.

Eu, radiosa, iluminava tudo.

Como as estrelas no meio da noite.

E como o sol encandescendo o mundo.

Amei você pela primeira vez.

Seu coração ruidoso, no meu corpo,

pulsava em mim. Eu era a Mater Dei.

E ao te sentir o corpo, buliçoso,

fazer folia junto ao corpo meu,

lacrimejei meu riso venturoso.

Pela segunda vez, então, te amei.

Enquanto a tua vida me expandia,

algum mistério novo acontecia.

Até que em mim, o amor feriu-se em dor.

Entre a tormenta que em mim doía,

eu, transbordando dor e alegria,

senti meu sangue quente a escorrer.

E do meu sangue, vi você nascer.



II


Virei Nossa Senhora, a mãe do mundo.

E fiz do Deus Menino o filho meu.

Segui teus gestos, a cada segundo.

Mãe-de-leite zelosa, fartas mamas,

ao ver meu sangue transmutado em leite,

e ao ter você, bezerro, no meu peito,

senti dos Budas todos os nirvanas.

Vivi a plenitude do deleite.

O de ser vida. Ser o alimento.

Senti uma transformação maior por dentro.

Vi que era mais que a Mãe. Eu era Deus.

E foi então que fiz um juramento:

jamais deixar sofrer os filhos meus.

Do meu sangue, fiz teu alimento.

Do meu corpo, fiz teu cobertor.

Teci para você um belo ninho.

E como faz a ave ao seu filhinho,

abri-te as asas, dei-te o meu calor.



III


Segui teu tempo de crescer e de voar.

Sempre ao teu lado, como um animal,

cumprindo o meu instinto, visceral,

acompanhei-te a cada caminhar.

Vi você, pastor, tocando flauta.

Você, anjinho, tocando bandolim.

Adormeci ao som da tua gaita.

E a vida quis te separar de mim.

Percorri mundo, qual uma cigana.

Você, em mim, a viajar comigo.

E a saudade, banzo de quem ama,

tatuava em meu corpo o meu castigo.

Cravejava em meu peito essa desdita.

A incomensurável dor que não reclama.

Que faz de toda mãe uma alma aflita,

a tatuar, no peito, o próprio filho.

A transformá-lo em seu mote perpétuo.

Como se o filho, esse andarilho incerto,

houvesse de seguir seu velho trilho.




IV


Acho que desertei. Saí de mim.

Cansei de padecer no desengano.

Só espero que minh’alma bucaneira,

a mesma alma que te fez gitano,

alcance te esperar a vida inteira.

Alcance te amar, vida após vida.

A cada dor. A cada despedida.

A cada ato do teatro humano.




Kátia Drummond

Salvador BA, primavera de 1998.

OBS: Ganhou o primeiro lugar no 1º Festival Internacional de Poesia, promovido pela revista “A Feiticeira”, na Internet/1999.

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