terça-feira, 1 de janeiro de 2008

OS HOMENS OCOS



OS HOMENS OCOS




TS Eliot


A penny for the Old Guy"(Um pêni para o Velho Guy)



Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada
Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;
Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam - se o fazem - não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.



II

Os olhos que temo encontrar em sonhos
No reino de sonho da morte
Estes não aparecem:
Lá, os olhos são como a lâmina
Do sol nos ossos de uma coluna
Lá, uma árvore brande os ramos
E as vozes estão no frêmito
Do vento que está cantando
Mais distantes e solenes
Que uma estrela agonizante.
Que eu demais não me aproxime
Do reino de sonho da morte
Que eu possa trajar ainda
Esses tácitos disfarces
Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas
E comportar-me num campo
Como o vento se comporta
Nem mais um passo
- Não este encontro derradeiro
No reino crepuscular


III

Esta é a terra morta
Esta é a terra do cacto
Aqui as imagens de pedra
Estão eretas, aqui recebem elas
A súplica da mão de um morto
Sob o lampejo de uma estrela agonizante.
E nisto consiste
O outro reino da morte:
Despertando sozinhos
À hora em que estamos
Trêmulos de ternura
Os lábios que beijariam
Rezam as pedras quebradas.


IV

Os olhos não estão aqui
Aqui os olhos não brilham
Neste vale de estrelas tíbias
Neste vale desvalido
Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos
Neste último sítio de encontros
Juntos tateamos
Todos à fala esquivos
Reunidos na praia do túrgido rio
Sem nada ver, a não ser
Que os olhos reapareçam
Como a estrela perpétua
Rosa multifoliada
Do reino em sombras da morte
A única esperança
De homens vazios.


V

Aqui rondamos a figueira-brava
Figueira-brava figueira-brava
Aqui rondamos a figueira-brava
Às cinco em ponto da madrugada
Entre a idéia
E a realidade
Entre o movimento
E a ação
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino

Entre a concepção
E a criação
Entre a emoção
E a reação
Tomba a Sombra
A vida é muito longa
Entre o desejo
E o espasmo
Entre a potência
E a existência
Entre a essência
E a descendência
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Porque Teu é
A vida é
Porque Teu é o
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro.



Tradução de Ivan Junqueira

sábado, 15 de dezembro de 2007

LEDA E O CISNE

LEDA E O CISNE


Yeats


Súbito golpe: as grandes asas a bater

Sobre a virgem que oscila, a coxa acariciada

Por negros pés, a nuca, um bico a vem reter;

O peito inane sobre o peito, ei-la apresada.



Dedos incertos de terror, como empurrar

Das coxas bambas o emplumado resplendor?

Pode o corpo, sob esse impulso de brancor,

O coração estranho não sentir pulsar?



Um tremor nos quadris engendra incontinenti

A muralha destruída, o teto, a torre a arder

E Agamêmnon, o morto.


Capturada assim,

E pelo bruto sangue do ar sujeita, enfim

Ela assumiu-lhe a ciência junto com o poder,

Antes que a abandonasse o bico indiferente?



(tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos)

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

NO TÚMULO DE CHRISTIAN ROSENCREUTZ



Fernando Pessoa




I

Quando, despertos deste sono, a vida,

Soubermos o que somos, e o que foi

Essa queda até Corpo, essa descida

Até à noite que nos a Alma obstrui,




Conheceremos pois toda a escondida

Verdade do que é tudo que há ou flui?

Não: nem na Alma livre é conhecida...

Nem Deus, que nos criou, em Si a inclui.




Deus é o Homem de outro Deus maior:

Adam Supremo, também teve Queda;

Também, como foi nosso Criador,



Foi criado, e a Verdade lhe morreu...

De além o Abismo, Spirito Seu, Lha veda;

Aquém não a há no Mundo, Corpo Seu.





II



Mas antes era o Verbo, aqui perdido

Quando a Infinita Luz, já apagada,

Do Caos, chão do Ser, foi levantada

Em Sombra, e o Verbo ausente escurecido.


Mas se a Alma sente a sua forma errada,

Em si, que é Sombra, vê enfim luzido

O Verbo deste mundo, humano e ungido,

Rosa Perfeita, em Deus crucificada.




Então, senhores do limiar dos Céus,

Podemos ir buscar além de Deus

O Segredo do Mestre e o Bem profundo;




Mas só de aqui, mas já de nós, despertos,

No sangue atual de Cristo enfim, libertos

Do a Deus que morre a geração do Mundo.




III



Ah, mas aqui, onde irreais erramos,

Dormimos o que somos, e a verdade,

Inda que enfim em sonhos a vejamos,

Vêmo-la, porque em sonho, em falsidade.


Sombras buscando corpos, se os achamos

Como sentir a sua realidade?

Com mãos de sombra. Sombras, que tocamos?

Nosso toque é ausência e vacuidade.




Quem desta Alma fechada nos liberta?

Sem ver, ouvimos para além da sala

De ser: mas como, aqui, a porta aberta?




Calmo na falsa morte a nós exposto,

O Livro ocluso contra o peito posto,

Nosso Pai Rosaeacruz conhece e cala.

VIGÍLIA

VEGLIA



Giuseppe Ungaretti: uma tradução


Un’intera nottata

buttato vicino

a un compagno

massacrato

con la sua bocca

digrignata

volta al plenilúnio

con la congestione

delle sue mani

penetrata

nel mio silenzio

ho scritto

lettere piene d’amore



Non sono mai stato


tanto

attaccato alla vita




VIGÍLIA


Uma noite inteira

próximo

de um companheiro

massacrado

com a sua boca

a ranger à lua cheia

com o sangue hirto

das suas mãos

cravado

em meu silêncio

escrevi

cartas cheias de amor



Nunca estive assim


tão

encostado à vida



(Tradução de J.T.Parreira)

Poema dos Dons

Poema dos Dons



Jorge Luis Borges



Graças quero dar ao divino

labirinto de efeitos e causas


pela diversidade das criaturas


que formam este singular universo,


pela razão, que não deixará de sonhar


com um plano para o labirinto,


pela face de Helena e a perseverança de Ulisses,


pelo amor, que nos deixa ver os outros


como os vê a divindade,


pelo firme diamante e água solta,


pela álgebra, palácio de precisos cristais,


pelas místicas moedas de Ângelo Silésio,


por Schopenhauer,


que talvez decifrou o universo,pelo fulgor do fogo,


que nenhum ser humano pode olhar sem assombro antigo,


pelo mogno, o cedro, o sândalo,


pelo pão e o sal,


pelo mistério da rosa


que prodigaliza cor e não a vê,


por certas vésperas e dias de 1955,


pelos duros tropeiros que na planície fustigam os animais e a alva,


pela manhã em Montevidéu,


pela arte da amizade,


pelo último dia de Sócrates,


pelas palavras que no crepúsculo disseram


de uma cruz a outra cruz,


por aquele sonho do Islã que abarcou


mil e uma noites,


por aquele outro sonho do inferno,


da torre do fogo que purifica


e das esferas gloriosas,


por Swedenborg,


que conversava com os anjos nas ruas de Londres.


pelos rios secretos e imemoriais


que convergem em mim,


pelo idioma que, há séculos, falei em Nortúmbria,


pela espada e a harpa dos saxônios,


pelo mar, que é um deserto resplandecente


e uma cifra de coisas que não sabemos


e um epitáfio dos vikings,


pela música verbal da Inglaterra,


pela música verbal da Alemanha, pelo ouro que reluz nos versos,


pelo inverno épico,


pelo nome de um livro que não li: Gesta Dei per Francos,


por Verlaine, inocente como os pássaros,


pelos prismas de cristal e o peso de bronze,


pelas raias do tigre,


pelas altas torres de São Francisco e da ilha de Manhattan,


pela manhã no Texas,


por aquele sevilhano que redigiu a Epístola Moral


e cujo nome, como ele houvera preferido, ignoramos,


por Sêneca e Lucano de Córdoba,


que antes do espanhol escreveram


toda a literatura espanhola,


pelo geométrico e bizarro xadrez,


pela tartaruga de Zenão e o mapa de Royce,


pelo odor medicinal do eucalipto,


pela linguagem, que pode simular a sabedoria,


pelo esquecimento, que anula ou modifica o passado,


pelo hábito,


que nos repete e nos confirma como um espelho,


pela manhã, que nos proporciona a ilusão de um começo,


pela noite, sua treva e sua astronomia,


pelo valor e a felicidade dos outros,


pela pátria, sentida nos jasmins


ou numa velha espada,


por Whitmann e Francisco de Assis, que já escreveram o poema,


pelo fato de que o poema é inesgotável


e se confunde com a soma das criaturas

e jamais chegará ao último verso


e varia segundo os homens,


por Francisco Haslam, que pediu perdão aos filhos


por morrer tão devagar,


pelos minutos que precedem o sono,


pelo sono e pela morte,


esses dois tesouros ocultos,


pelos íntimos dons que não enumero,


pela música, misteriosa forma do tempo.


(tradução de Paulo Mendes Campos)

Nalgum lugar em que nunca estive

Nalgum lugar em que nunca estive



E.E.Cummings


nalgum lugar em que eu nunca estive,alegremente além
de qualquer experiência,teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto


teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos,nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente,misteriosamente)a sua primeira rosa


ou se quiseres me ver fechado,eu e
minha vida nos fecharemos belamente,de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;


nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade:cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira


(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre;só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva,tem mãos tão pequenas


( tradução: Augusto de Campos )

A SIERGUÉI IESSIÊNIN

A SIERGUÉI IESSIÊNIN


Vladimir Maiakóvski



Você partiu,
como se diz,
para o outro mundo.
Vácuo. . .
Você sobe,
entremeado às estrelas.
Nem álcool,
nem moedas.
Sóbrio.
Vôo sem fundo.
Não, lessiênin,
não posso
fazer troça, -
Na boca
uma lasca amarga
não a mofa.
Olho –
sangue nas mãos frouxas,
você sacode
o invólucro
dos ossos.
Sim,
se você tivesse
um patrono no "Posto"(1) –

ganharia
um conteúdo
bem diverso:
todo dia
uma quota
de cem versos,
longos
e lerdos,
como Dorônin(2).
Remédio?
Para mim,
despautério:
mais cedo ainda
você estaria nessa corda.
Melhor
morrer de vodca
que de tédio !
Não revelam
as razões
desse impulso
nem o nó,
nem a navalha aberta.
Pare,
basta !
Você perdeu o senso? –
Deixar
que a cal
mortal
Ihe cubra o rosto?
Você,
com todo esse talento
para o impossível;
hábil
como poucos.
Por quê?
Para quê?
Perplexidade.
- É o vinho!
- a crítica esbraveja.
Tese:
refratário à sociedade.
Corolário:
muito vinho e cerveja.

Sim,
se você trocasse
a boêmia
pela classe;
A classe agiria em você,
e Ihe daria um norte.
E a classe
por acaso
mata a sede com xarope?
Ela sabe beber –
nada tem de abstêmia.
Talvez,
se houvesse tinta
no "Inglaterra"(3);
você
não cortaria
os pulsos.
Os plagiários felizes
pedem: bis!
Já todo
um pelotão
em auto-execução.
Para que
aumentar
o rol de suicidas?
Antes
aumentar
a produção de tinta!
Agora
para sempre
tua boca
está cerrada.
Difícil
e inútil
excogitar enigmas.
O povo,
o inventa-línguas,
perdeu
o canoro
contramestre de noitadas.
E levam
versos velhos
ao velório,
sucata
de extintas exéquias.
Rimas gastas
empalam
os despojos, -
é assim
que se honra
um poeta?
-Não
te ergueram ainda um monumento –
onde
o som do bronze
ou o grave granito? –
E já vão
empilhando
no jazigo
dedicatórias e ex-votos:
excremento.
Teu nome
escorrido no muco,
teus versos,
Sóbinov(4) os babuja,
voz quérula
sob bétulas murchas –
"Nem palavra, amigo,
nem so-o-luço".
Ah,
que eu saberia dar um fim
a esse
Leonid Loengrim!(5)
Saltaria
- escândalo estridente:
- Chega
de tremores de voz!
Assobios
nos ouvidos
dessa gente,
ao diabo
com suas mães e avós!
Para que toda
essa corja explodisse
inflando
os escuros
redingotes,
e Kógan(6)
atropelado
fugisse,
espetando
os transeuntes
nos bigodes.
Por enquanto
há escória
de sobra.
0 tempo é escasso –
mãos à obra.
Primeiro
é preciso
transformar a vida,
para cantá-la –
em seguida.
Os tempos estão duros
para o artista:
Mas,
dizei-me,
anêmicos e anões,
os grandes,
onde,
em que ocasião,
escolheram
uma estrada
batida?
General
da força humana
- Verbo –
marche!
Que o tempo
cuspa balas
para trás,
e o vento
no passado
só desfaça
um maço de cabelos.
Para o júbilo
o planeta
está imaturo.
É preciso
arrancar alegria
ao futuro.
Nesta vida
morrer não é difícil.
O difícil
é a vida e seu ofício.


(Tradução de Haroldo de Campos)

1. Alusão à revista Na Postu (De Sentinela), órgão da RAPP (Associação Russa dos Escritores Proletários), cujos colaboradores se mostravam muito zelosos em atacar os escritores que lhes pareciam transgredir a moral proletária.


2. Referências ao poeta soviético I.I. Dorônin (n. em 1900).


3. Hotel em que Iessiênin se suicidou.


4. O famoso cantor L.V. Sóbinov (1872-1934) foi um dos participantesda homenagem à memória de Iessiênin, que teve lugar no Teatro de Arte de Moscou, em 18 de janeiro de 1926, quando interpretou uma canção de Tchaikóvski.


5. O papel de Loengrim, da ópera deste nome, de Wagner, constituiu um dos grandes êxitos da carreira artística de Leonid Sóbinov.


6. O crítico P.S. Kógan (1872-1932), representante da crítica mais dogmática, com quem Maiakóvski manteve freqüentes polêmicas.


publicado no livro: "Maiakóvski - Poemas"traduzido por Boris Schnaiderman,