Você brotou. Em mim, nasceram luzes.
O breu do universo se desfez.
Eu, radiosa, iluminava tudo.
Como as estrelas no meio da noite.
E como o sol encandescendo o mundo.
Amei você pela primeira vez.
Seu coração ruidoso, no meu corpo,
pulsava em mim. Eu era a Mater Dei.
E ao te sentir o corpo, buliçoso,
fazer folia junto ao corpo meu,
lacrimejei meu riso venturoso.
Pela segunda vez, então, te amei.
Enquanto a tua vida me expandia,
algum mistério novo acontecia.
Até que em mim, o amor feriu-se em dor.
Entre a tormenta que em mim doía,
eu, transbordando dor e alegria,
senti meu sangue quente a escorrer.
E do meu sangue, vi você nascer.
II
Virei Nossa Senhora, a mãe do mundo.
E fiz do Deus Menino o filho meu.
Segui teus gestos, a cada segundo.
Mãe-de-leite zelosa, fartas mamas,
ao ver meu sangue transmutado em leite,
e ao ter você, bezerro, no meu peito,
senti dos Budas todos os nirvanas.
Vivi a plenitude do deleite.
O de ser vida. Ser o alimento.
Senti uma transformação maior por dentro.
Vi que era mais que a Mãe. Eu era Deus.
E foi então que fiz um juramento:
jamais deixar sofrer os filhos meus.
Do meu sangue, fiz teu alimento.
Do meu corpo, fiz teu cobertor.
Teci para você um belo ninho.
E como faz a ave ao seu filhinho,
abri-te as asas, dei-te o meu calor.
III
Segui teu tempo de crescer e de voar.
Sempre ao teu lado, como um animal,
cumprindo o meu instinto, visceral,
acompanhei-te a cada caminhar.
Vi você, pastor, tocando flauta.
Você, anjinho, tocando bandolim.
Adormeci ao som da tua gaita.
E a vida quis te separar de mim.
Percorri mundo, qual uma cigana.
Você, em mim, a viajar comigo.
E a saudade, banzo de quem ama,
tatuava em meu corpo o meu castigo.
Cravejava em meu peito essa desdita.
A incomensurável dor que não reclama.
Que faz de toda mãe uma alma aflita,
a tatuar, no peito, o próprio filho.
A transformá-lo em seu mote perpétuo.
Como se o filho, esse andarilho incerto,
houvesse de seguir seu velho trilho.
IV
Acho que desertei. Saí de mim.
Cansei de padecer no desengano.
Só espero que minh’alma bucaneira,
a mesma alma que te fez gitano,
alcance te esperar a vida inteira.
Alcance te amar, vida após vida.
A cada dor. A cada despedida.
A cada ato do teatro humano.
Kátia Drummond
Salvador BA, primavera de 1998.
OBS: Ganhou o primeiro lugar no 1º Festival Internacional de Poesia, promovido pela revista “A Feiticeira”, na Internet/1999.
domingo, 24 de junho de 2007
Kátia Drummond - Mater Dei
MATER DEI
segunda-feira, 18 de junho de 2007
Rimbaud - Poemas
Poemas de Rimbaud
MA BOHÈME (Fantasie) ~
E lá me ia, as mãos nos bolsos furados,
E meu casaco era também o ideal.
Eu ia sob o céu, Musa! e te era leal;
Oh! lá! lá! que esplêndidos amores sonhados!
Minha única calça estava em frangalhos
— Pequeno Polegar sonhador, em minha fuga eu ia
Desfiando rimas e sob a Ursa Maior adormecia,
Ouvindo no céu o doce rumor das estrelas.
Sentado à beira das estradas eu as ouvia,
Belas noites de setembro em que eu sentia
O orvalho em meu rosto como um vinho forte;
Quando compondo em meio a sombras fantásticas,
Como uma lira eu puxava os elásticos
De meus sapatos gastos, um pé junto ao meu peito!
CANÇÃO DA TORRE MAIS ALTA
Mocidade presa
A tudo oprimida
Por delicadeza
Eu perdi a vida.
Ah! Que o tempo venha
Em que a alma se empenha.
Eu me disse: cessa,
Que ninguém te veja:
E sem a promessa
De algum bem que seja.
A ti só aspiro.
Augusto retiro.
Tamanha paciência
Não irei esquecer.
Temor e dolência,
Aos céus fiz erguer.
E esta sede estranha
A ofuscar-me a entranha.
Qual o Prado imenso
Condenado a olvido,
Que cresce florido
De joio e de incenso
Ao feroz zunzum das
Moscas imundas.
SOBRE O POEMA “SENSATION”
Este poema de grande sensibilidade não tinha título quando foi enviado a Théodore de Banville. A versão definitiva traz o título “Sensation”.
Pas les beaux soirs d’été, j’irai dans les sentiers
Picoté par les blés, fouler l’herbe menue:
Rêveur, j’en sentirai la fraîcheur à mes pieds:
Je laisserai le vent baigner ma tête nue.
Je ne parlerai pas, je ne penserai rien…
Mais un amour immense entrera dans mon âme,
Et, j’irai loin, bien loin; comme un bohemian
Par la Nature, — heureux comme avec une femme!
(1870)
oooo0000oooo
Nas belas tardes de verão, pelas estradas irei,
Roçando os trigais, pisando a relva miúda:
Sonhador, a meus pés seu frescor sentirei:
E o vento banhando-me a cabeça desnuda.
Nada falarei, não pensarei em nada:
Mas um amor imenso me irá envolver,
E irei longe, bem longe, a alma despreocupada,
Pela Natureza — feliz como com uma mulher.
LINK: http://poetas.mortos.sites.uol.com.br/rimbaud.htm
Baudelaire
AS LITANIAS DE SATÃ
Ó tu, o Anjo mais belo e também o mais culto,
Deus que a sorte traiu e privou do seu culto,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Ó Príncipe do exílio a quem alguém fez mal,
E que, vencido, sempre te ergues mais brutal,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que vês tudo, ó rei das coisas subterrâneas,
Charlatão familiar das humanas insânias,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, mesmo ao leproso, ao paria infame, ao réu
Ensinas pelo amor às delícias do Céu,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que da morte, tua velha e forte amante,
Engendraste a Esperança, - a louca fascinante!
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que dás ao proscrito esse alto e calmo olhar
Que faz ao pé da forca o povo desvairar,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que sabes onde é que em terras invejosas
O Deus ciumento esconde as pedras preciosas.
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu cuja larga mão oculta os precipícios,
Ao sonâmbulo a errar na orla dos edifícios,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, magicamente, abrandas como mel
Os velhos ossos do ébrio moído num tropel,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu, que ao homem que é fraco e sofre deste o alvitre
De poder misturar ao enxofre o salitre,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que pões tua marca, ó cúmplice sutil,
Sobre a fronte do Creso implacável e vil,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, abrindo a alma e o olhar das raparigas
a ambos
Dás o culto da chaga e o amor pelos molambos,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Do exilado bordão, lanterna do inventor,
Confessor do enforcado e do conspirador,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !
Pai adotivo que és dos que, furioso, o Mestre
O deus Padre, expulsou do paraíso terrestre
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !
ORAÇÃO
Glória e louvor a ti, Satã, nas amplidões
Do céu, em que reinaste, e nas escuridões
Do inferno, em que, vencido, sonhas com
[prudência!
Deixa que eu, junto a ti sob a Árvore da Ciência,
Repouse, na hora em que, sobre a fronte, hás de ver
Seus ramos como um Templo novo se estender!
O BRINQUEDO DO POBRE
Quero dar a idéia de uma distração inocente. Há tão
poucos divertimentos que não sejam criminosos!
Quando sairdes, de manhã, com a firme intenção
de vagabundear pelas estradas, enchei os bolsos de
pequeninas invenções de um soldo e, pelas
tavernas, ao pé das árvores, presenteai os meninos
desconhecidos e pobres que fordes encontrando.
Então vereis os seus olhos crescerem, crescerem...
A princípio, não ousarão tocar no presente:
duvidarão da própria felicidade.
Depois, suas mãos agarrarão vivamente o brinquedo
e eles fugirão, como fazem os gatos, que, tendo
aprendido a desconfiar do homem,
vão comer longe de nós o bocado que lhes damos.
Numa estrada, por trás das grades de um vasto jardim,
ao fundo do qual surgia a brancura de um lindo castelo
batido de sol, via-se uma criança fresca e bela,
vestida de uma dessas roupas de campo, tão garridas.
O luxo, a ociosidade e o espetáculo habitual da
riqueza tornam esses meninos tão belos que nos parece
terem sido feitos de outra massa que não
a dos filhos da mediania ou da pobreza.
Ao lado dela, jazia sobre a relva um brinquedo
esplêndido, tão novo quanto o seu dono, envernizado,
dourado, com um traje cor de púrpura, e coberto com
plumas e vidrilhos. O pequeno, porém, não se
ocupava com o seu brinco favorito, e eis o que
ele observava:
Do outro lado da grade, na estrada, entre os cardos
e as urtigas, havia outro menino, sujo, raquítico,
tisnado, um desses garotos-párias
em quem um olho imparcial descobriria a beleza,
se o limpasse da repugnante pátina da miséria.
Através daquelas vergas simbólicas,
que separavam dois mundos, a estrada real e o
castelo, o menino pobre mostrava o seu brinquedo
ao menino rico, e este que o pequeno porcalhão
atraía com afagos, agitava e sacudia, numa espécie
de gaiola, era um rato vivo! Os pais, decerto por
economia, haviam tirado o brinquedo da própria Vida.
E as duas crianças riam uma para a outra,
fraternalmente, com dentes de uma brancura igual.
LINK: http://poetas.mortos.sites.uol.com.br/baudela.htm
domingo, 17 de junho de 2007
Ariano Suassuna - ABERTURA "SOB PELE DE OVELHA"
ABERTURA "SOB PELE DE OVELHA"
Ariano Suassuna
Falso Profeta, insone, Extraviado,
Vivo, Cego, a sondar o Indecifrável:
e, jaguar da Sibila- inevitável,
meu Sangue traça a rota desse Fado.
Eu, forçado a ascender, eu, Mutilado,
busco a Estrela que chama, inapelável.
E a pulsação do Ser, fera indomável,
arde ao Sol do meu Pasto- incendiado.
Por sobre a Dor, Sarça do Espinheiro
que acende o estranho Sol, sangue do ser,
transforma o sangue em Candelabro e Veiro.
Por isso, não vou nunca envelhecer:
com meu Cantar, supero o Desespero,
sou contra a Morte e nunca hei de morrer.
Link: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ariano_Suassuna
sábado, 16 de junho de 2007
Tu Queres Sono: Despede-te dos Ruídos
Ana Cristina Cesar
Tu queres sono: despe-te dos ruídos, e
dos restos do dia, tira da tua boca
o punhal e o trânsito, sombras de
teus gritos, e roupas, choros, cordas e
também as faces que assomam sobre a
tua sonora forma de dar, e os outros corpos
que se deitam e se pisam, e as moscas
que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor (não ouças)
que se prepara para carpir tua vigília, e os cantos que
esqueceram teus braços e tantos movimentos
que perdem teus silêncios, o os ventos altos
que não dormem, que te olham da janela
e em tua porta penetram como loucos
pois nada te abandona nem tu ao sono.
LINK: http://www.secrel.com.br/jpoesia/anac.html
Ivan Junqueira - Esse punhado de ossos
Esse punhado de ossos
Ivan Junqueira
A Moacyr Felix
Esse punhado de ossos que, na areia,
alveja e estala à luz do sol a pino
moveu-se outrora, esguio e bailarino,
como se move o sangue numa veia.
Moveu-se em vão, talvez, porque o destino
lhe foi hostil e, astuto, em sua teia
bebeu-lhe o vinho e devorou-lhe à ceia
o que havia de raro e de mais fino.
Foram damas tais ossos, foram reis,
e príncipes e bispos e donzelas,
mas de todos a morte apenas fez
a tábua rasa do asco e das mazelas.
E ai, na areia anônima, eles moram.
Ninguém os escuta. Os ossos choram.
Cajazeira Ramos - Poema do Novo Livro: Mais que Sempre
Bolha de sabão
A Kátia Borges
The art of losing isn’t hard to master.
Elizabeth Bishop
Um dia perderei a juventude,
se já não a perdi. Perdi a conta
de tudo o que perdi. Hoje o que conta
é tudo o que não sou, não sei, não pude.
Ah, chega de trilhar a senda rude
de perdas e saudade. A sorte aponta
o lugar da vertigem, vida tonta.
Resta perder a sede de altitude.
Girar... e a cada giro perder tanto,
que reste apenas giro e inconsciência,
depois que tudo for perdido. Entanto,
deixar para perder a prepotência
no último momento, quando o espanto
revele que foi tudo reticência.
Poema do Novo Livro: Mais que Sempre, lançado em maio de 2007
OBS: v. E. Bishop e Cajazeira Ramos nos marcadores.
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terça-feira, 12 de junho de 2007
DIA DOS NAMORADOS
AOS NAMORADOS DO BRASIL
Carlos Drummond de Andrade
Dai-me, Senhor, assistência técnica
para eu falar aos namorados do Brasil.
Será que namorado algum escuta alguém?
Adianta falar a namorados?
E será que tenho coisas a dizer-lhes
que eles não saibam, eles que transformam
a sabedoria universal em divino esquecimento?
Adianta-lhes, Senhor, saber alguma coisa,
quando perdem os olhos
para toda paisagem ,
perdem os ouvidos
para toda melodia
e só vêem, só escutam
melodia e paisagem de sua própria fabricação?
Cegos, surdos, mudos - felizes! - são os namorados
enquanto namorados. Antes, depois
são gente como a gente, no pedestre dia-a-dia.
Mas quem foi namorado sabe que outra vez
voltará à sublime invalidez
que é signo de perfeição interior.
Namorado é o ser fora do tempo,
fora de obrigação e CPF,
ISS, IFP, PASEP,INPS.
Os códigos, desarmados, retrocedem
de sua porta, as multas envergonham-se
de alvejá-lo, as guerras, os tratados
internacionais encolhem o rabo
diante dele, em volta dele. O tempo,
afiando sem pausa a sua foice,
espera que o namorado desnamore
para sempre.
Mas nascem todo dia namorados
novos, renovados, inovantes,
e ninguém ganha ou perde essa batalha.
Pois namorar é destino dos humanos,
destino que regula
nossa dor, nossa doação, nosso inferno gozoso.
E quem vive, atenção:
cumpra sua obrigação de namorar,
sob pena de viver apenas na aparência.
De ser o seu cadáver itinerante.
De não ser. De estar, e nem estar.
O problema, Senhor, é como aprender, como exercer
a arte de namorar, que audiovisual nenhum ensina,
e vai além de toda universidade.
Quem aprendeu não ensina. Quem ensina não sabe.
E o namorado só aprende, sem sentir que aprendeu,
por obra e graça de sua namorada.
A mulher antes e depois da Bíblia
é pois enciclopédia natural
ciência infusa, inconciente, infensa a testes,
fulgurante no simples manifestar-se, chegado o momento.
Há que aprender com as mulheres
as finezas finíssimas do namoro.
O homem nasce ignorante, vive ignorante, às vezes morre
três vezes ignorante de seu coração
e da maneira de usá-lo.
Só a mulher (como explicar?)
entende certas coisas
que não são para entender. São para aspirar
como essência, ou nem assim. Elas aspiram
o segredo do mundo.
Há homens que se cansam depressa de namorar,
outros que são infiéis à namorada.
Pobre de quem não aprendeu direito,
ai de quem nunca estará maduro para aprender,
triste de quem não merecia, não merece namorar.
Pois namorar não é só juntar duas atrações
no velho estilo ou no moderno estilo,
com arrepios, murmúrios, silêncios,
caminhadas, jantares, gravações,
fins-de-semana, o carro à toda ou a 80,
lancha, piscina, dia-dos-namorados,
foto colorida, filme adoidado,,
rápido motel onde os espelhos
não guardam beijo e alma de ninguém.
Namorar é o sentido absoluto
que se esconde no gesto muito simples,
não intencional, nunca previsto,
e dá ao gesto a cor do amanhecer,
para ficar durando, perdurando,
som de cristal na concha
ou no infinito.
Namorar é além do beijo e da sintaxe,
não depende de estado ou condição.
Ser duplicado, ser complexo,
que em si mesmo se mira e se desdobra,
o namorado, a namorada
não são aquelas mesmas criaturas
que cruzamos na rua.
São outras, são estrelas remotíssimas,
fora de qualquer sistema ou situação.
A limitação terrestre, que os persegue,
tenta cobrar (inveja)
o terrível imposto de passagem:
"Depressa! Corre! Vai acabar! Vai fenecer!
Vai corromper-se tudo em flor esmigalhada
na sola dos sapatos..."
Ou senão:
"Desiste! Foge! Esquece!"
E os fracos esquecem. Os tímidos desistem.
Fogem os covardes.
Que importa? A cada hora nascem
outros namorados para a novidade
da antiga experiência.
E inauguram cada manhã
(namoramor)
o velho, velho mundo renovado.
quinta-feira, 7 de junho de 2007
Na Cabaça de Iago e Lud II - Poemas do livro Clau - Alberto da Cunha Melo
Poemas do livro Clau - Alberto da Cunha Melo
Definições
Clau não é uma árvore,
não tem ramos
torturados pelos ventos,
nem folhas que já nascem
em seu precipício;
Clau não tem heras
ou limos que possam
torná-la antiga:
é começo dela
e das coisas
que jamais
cansam de começar.
Ameaças
Toda vez que subo
nessas minhas
altitudes máximas
(além do nível do bar)
e mergulho de cabeça,
tripa e tudo
nessas minhas
profundidades (também) máximas
(além do nível do lar),
o rosto de Clau
está lá em cima
e lá em baixo
me deslumbrando, sozinho!
— Quem é Clau?
(pergunta um burríssimo
PHD em Estética)
e ninguém pode salvar
seus pobres alunos.
Sugestões
Quero dezembros,
sou louco por dezembros,
e por uma mulher
chamada Cláudia,
filha de Oxum,
a de cabelos montanhosos,
de longa paciência
para suportar
minha vontade de morrer;
quero dezembros de verdade,
fins de dezembros,
com as pessoas correndo
atrás
de suas almas perdidas.
Definições
Clau não é uma árvore,
não tem ramos
torturados pelos ventos,
nem folhas que já nascem
em seu precipício;
Clau não tem heras
ou limos que possam
torná-la antiga:
é começo dela
e das coisas
que jamais
cansam de começar.
Ameaças
Toda vez que subo
nessas minhas
altitudes máximas
(além do nível do bar)
e mergulho de cabeça,
tripa e tudo
nessas minhas
profundidades (também) máximas
(além do nível do lar),
o rosto de Clau
está lá em cima
e lá em baixo
me deslumbrando, sozinho!
— Quem é Clau?
(pergunta um burríssimo
PHD em Estética)
e ninguém pode salvar
seus pobres alunos.
Sugestões
Quero dezembros,
sou louco por dezembros,
e por uma mulher
chamada Cláudia,
filha de Oxum,
a de cabelos montanhosos,
de longa paciência
para suportar
minha vontade de morrer;
quero dezembros de verdade,
fins de dezembros,
com as pessoas correndo
atrás
de suas almas perdidas.
Na cabeça de Iago e Lud - Traumas sanados
O Poço
Pablo Neruda
Pablo Neruda
Cais, às vezes, afundas
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.
Meu amor, o que encontras
em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?
Não acharás, amor,
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.
Não me temas, não caias
de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.
Radiosa me sorri
se minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.
Dá-me amor, me sorri
e me ajuda a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres.
terça-feira, 5 de junho de 2007
Murilo Mendes - Choro do Poeta Atual
CHORO DO POETA ATUAL
Murilo Mendes
Murilo Mendes
Deram-me um corpo, só um!
Para suportar calado
Tantas almas desunidas
Que esbarram umas nas outras.
De tantas idades diversas;
Um nasceu muito antes
De eu aparecer no mundo,
Outro nasceu com este corpo,
Outra está nascendo agora,
Há outras, nem sei direito,
São muitas filhas naturais,
Deliram dentro de mim,
Querem mudar de lugar,
Cada uma quer uma coisa,
Nunca mais tenho sossego.
Ó Deus, se existis, juntai
Minhas almas desencontradas.
A Aurora
A Aurora
Federico Garcia Lorca
Versão : Ferreira Gullar
Do disco "Poetas em Nova York"
Do disco "Poetas em Nova York"
quatro colunas de lodo
e um furacão de pombas
que explode as águas podres.
A aurora de Nova Iorque geme
nas vastas escadarias
a buscar entre as arestas
angústias indefinidas.
A aurora chega e ninguém em sua boca a recebe
porque ali a esperança nem a manhã são possíveis.
E as moedas, como enxames,
devoram recém-nascidos.
Os que primeiro se erguem, em seus ossos adivinham:
não haverá paraíso nem amores desfolhados;
só números, leis e o lodo
de tanto esforço baldado.
A barulheira das ruas sepulta a luz na cidade
e as pessoas pelos bairros vão cambaleando insones
como se houvessem saído
de um naufrágio de sangue.
LINK: http://pt.wikipedia.org/wiki/Garcia_Lorca
domingo, 3 de junho de 2007
Elizabeth Bishop - One Art
One Art
Elizabeth Bishop
Elizabeth Bishop
The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.
Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.
Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.
I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.
I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.
-Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.
Uma arte
Elizabeth Bishop
Tradução de Paulo Henriques Britto
“A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério. “
LINK: http://pt.wikipedia.org/wiki/Elizabeth_bishop
sexta-feira, 1 de junho de 2007
Ivan Junqueira - A Sagração dos Ossos
“A sagração dos ossos”
Ivan Junqueira
Meu filho sobe a escada
Seu passo é miúdo e rápido;
A voz, quase cantábile,
voz de pássaro, álacre.
As mãos logo de esgalham
e os dedos, duendes frágeis,
bailam sobre o teclado,
Ou então, com seu lápis,
conjuga cores e imagens.
Leva sempre nos braços
uma esfera terráquea
de que emergem, fugazes,
rios, montes e várzeas.
Meu filho é artista ou mágico?
(Para o meu querido Lua)
Vinicius de Moraes - Balada Feroz
Balada Feroz
Canta uma esperança desatinada para que enfureçam silenciosamente os cadáveres dos afogados
Canta para que grasne sarcasticamente o corvo que tens pousado sobre tua omoplata atlética
Canta como um louco enquanto teus pés vão penetrando a massa sequiosa de lesmas
Canta! para esse formoso pássaro azul que ainda uma vez sujaria sobre o teu êxtase.
Arranca do mais fundo a tua pureza e lança-a sobre o corpo felpudo das aranhas
Ri dos touros selvagens carregando nos chifres virgens nuas para o estupro nas montanhas
Pula sobre o leito cru dos sádicos, dos histéricos, dos masturbados e dança!
Dança para a lua que está escorrendo lentamente pelo ventre das menstruadas.
Lança teu poema inocente sobre o rio venéreo engolindo as cidades
Sobre os casebres onde os escorpiões se matam à visão dos amores miseráveis
Deita a tua alma sobre a podridão das latrinas e das fossas
Por onde passou a miséria da condição dos escravos e dos gênios.
Dança, ó desvairado! Dança pelos campos aos rinchos dolorosos das éguas parindo
Mergulha a algidez deste lago onde os nenúfares apodrecem e onde a água floresce em miasmas
Fende o fundo viscoso e espreme com tuas fortes mãos a carne flácida das medusas
E com teu sorriso inexcedível surge como um deus amarelo da imunda pomada.
Amarra-te aos pés das garças e solta-as para que te levem
E quando a decomposição dos campos de guerra te ferir as narinas, lança-te sobre a cidade mortuária
Cava a terra por entre as tumefações e se encontrares um velho canhão soterrado, volta
E vem atirar sobre as borboletas cintilando cores que comem as fezes verdes das estradas.
Salta como um fauno puro ou como um sapo de ouro por entre os raios do sol frenético
Faz rugir com o teu calão o eco dos vales e das montanhas
Mija sobre o lugar dos mendigos nas escadarias sórdidas dos templos
E escarra sobre todos os que se proclamarem miseráveis.
Canta! canta demais! Nada há como o amor para matar a vida
Amor que é bem o amor da inocência primeira!
Canta! — o coração da donzela ficará queimando eternamente a cinza morta
Para o horror dos monges, dos cortesãos, das prostitutas e dos pederastas.
Transforma-te por um segundo num mosquito gigante e passeias de noite sobre as grandes cidades
Espalhando o terror por onde quer que pousem tuas antenas impalpáveis.
Suga aos cínicos o cinismo, aos covardes o medo, aos avaros o ouro
E para que apodreçam como porcos, injeta-os de pureza!
E com todo esse pus, faz um poema puro
E deixa-o ir, armado cavaleiro, pela vida
E ri e canta dos que pasmados o abrigarem
E dos que por medo dele te derem em troca a mulher e o pão.
Canta! canta, porque cantar é a missão do poeta
E dança, porque dançar é o destino da pureza
Faz para os cemitérios e para os lares o teu grande gesto obsceno
Carne morta ou carne viva — toma! Agora falo eu que sou um!
Paulo Leminski
Um homem com uma dor
um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegasse atrasado
andasse mais adiante
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