domingo, 4 de novembro de 2007

Elegia


Luís Antônio Cajazeiras Ramos


A fúria das chamas atacou primeiro as partes baixas
da cidade, subiu as colinas, depois devastou...

Tácito



Minha cidade não tem estátua da liberdade.
Que concreto armado juntaria tantos fragmentos
num só corpo de mulher justíssima desvendada?
Talvez de barro seja feito um totem mulato,
e um sopro de mar faça-o sempre menino,
riso moleque rasgado num resto de calção,
caído na vida, iluminando a encruzilhada.


Meu Salvador não é o Cristo Redentor: é o Elevador
— que leva para o alto, mas leva também pra baixo,
misturando inferno e paraíso de todos os lados postais.


Não há sete maravilhas, mas há Sete Portas abertas,
dando em imensa feira — capital de sete pecados.


Sobre o tabuleiro que lhe serve de andor e palco,
ergue-se deusa do Desterro e caboclo da Misericórdia.


Protegida por fortes, faróis, igrejas e ebós, é santa
a Baía de Tolos e Sonsos e quantas ilhas e mais adornos,
sereia prometida sobre o promontório recôncavo,
vestida como um V de colo decotado e enfeitado
de balangandãs e de um presépio de invasões.


Cidade armada para intermitente batalha de largo,
explosiva guerra civil de batuques carnavalescos
— e a cavalaria dos trios elétricos galopa suas ruas,
no corpo-a-corpo fraterno e fratricida de exus e zumbis.


O abraço de seus casarões exala o suor dos pelourinhos,
entorpecendo as casas-grandes transvestidas em senzalas,
onde o Barão de Preto Velho usa terno de linho e saia rendada.


Escorre pelas ladeiras cansadas seu dendê e dengo,
lambuzando de bênçãos as promessas dos joelhos morenos,
arrastados contra as escadarias de colinas consagradas.


Salvador de ouro, meu berço e sarcófago,
minha trincheira e horizonte, minha guerra e paz,
fidelidade única de minha inconstância tanta!


Quando o mar arrastar de vez seus destroços,
meus plácidos olhos velarão seu funeral,
mergulhando em busca de seu canto Janaína.

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